sábado, 10 de outubro de 2009

Pensamento #14 - Mundo Real

Desde que comecei a considerar a realdidade de que um dia, lá muito longe, faria 18 anos e iria viver sozinha algures no continente português, provavelmente frequentando uma universidade, que está a um nível de ensino bem diferente que o do liceu, nunca deixei de o considerar um bocadinho como um exerto da imaginação, uma parte de um romance perdido e desinteressante que nunca chegaria, de facto, a acontecer. A verdade é que na minha cabeça, o Mundo em que vivo, e o Mundo onde as pessoas bem sucedidas, conhecidas, que ganham prémios Nobel e bolsas para o MIT existem, são universos paralelos, cruzando-se apenas no infinito.

O primeiro, o Meu Mundo, é a ilha onde vivo e os bairros perdidos no meio de Portugal onde mora o resto da família. É o liceu com todos os seus defeitos, em que faço parte dos melhores alunos do meu ano (não que haja muitos), são as ruas de basalto e desenhos de calcário que percorro todos os dias de mochila às costas, são as pequenas serras e o mar que constituem a paisagem. São as poucas pessoas que conheço, os meus pais e irmão, os seus colegas da escola ou do trabalho. São as horas perdidas discutindo a "distinção entre nada e coisa nenhuma" (Fernando Pessoa, Liberdade), ou comentando as últimas novidades com aqueles amigos mais chegados. São os problemas do dia-a-dia, frustrações com trabalhos de casa, pautas que caem do piano e se recusam a serem lidas. É aquela música que toda a gente ouve e só apetece cantar alto e bom som. É a ideia de que os pais, os avós, os amigos, estarão sempre lá para nos impedir de fazer estupidezes de maior e rir das nossas piadas tolas. É a noção tão real e óbvia de que tudo está o melhor possível e que será sempre assim.

O Mundo Real já é outra coisa. Quase parece uma mentira, de tão Irreal que soa. É aquele mundo em que arranjar um emprego estável, casar, ter filhos e viver o mais feliz que é possível durante um 'sempre' demasiado pequeno é apenas uma das possibilidades para mim abertas. Não uma das mais fácies, talvez, mas também não há caminhos fáceis. É aquele Mundo em que o Joãozinho da casa da esquina ganhou uma bolsa para a República Checa, onde Judas perdeu as botas, que ninguém sabe onde se encontra. Mas a questão é que no Mundo Real, a maioria das pessoas até sabe. É aquele sítio onde se tem que ser mesmo bom, e em que ser mesmo bom dá acesso a uma míriade de oportunidades espetaculares. Nesta realidade, nem o céu é o limite, porque já houve quem chegasse à lua. É um local assustador este Mundo Real. Frio, desconhecido, cheio de sucessos que somos pressionados a igualar ou superar. O problema com o Mundo Real é que, se há aqueles que se dão exepcionalmente bem, também há os que acabam pedinchando nas ruas. As linhas e protocolos não estão bem definidos, não há regras, cada um faz o melhor possível e impossível e, se tiver sorte e der nas vistas, talvez até se torne famoso. A questão é que esse Mundo sempre esteve longe de mim. Ir estudar para fora deste pequeno "país entre a Espanha e o Atlântico" (Manuel Alegre, As Naus de Verde Pinho) era algo, se não imposível, pelo menos improvável durante os próximos anos. As minhas ambições tinham pouco a ver com sucesso intelectual e mais com sucesso amoroso, que sempre me pareceu o mais perigoso e difícil de alcançar.

O problema com tudo isto, é que de repente, contra todos os meus conhecimentos, experiências e expectativas, estes dois mundos cruzaram-se por iniciativa própria durante as tardes de Sábado, deixando-me perdida entre eles. O que fazer agora? Em que realidade confiar? Na reconfortante, conhecida, monótona, previsível rotina que tem sido o meu ninho, ou nas oportunidade de falar com as mais importantes personalidades portuguesas e mesmo estrangeiras da actualidade, de mostrar o quanto valho e de afirmar que o meu lugar neste Mundo que de repente perdeu a sua defenição é mais elevado do que o que ambicionara?

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