A sala estava dividida em duas partes: uma em que 50 pessoas iriam jantar dali a alguns minutos e outra em que, naquele momento, essas mesmas pessoas se encontravam a conversar, em grupinhos, ora sentadas nos sofás de tecido vermelho esbatido, ora de pé, perto da mesa dos apiritivos (escusado será dizer por que é que algumas pessoas não tinham arredado pé da tal mesa desde o momento em que lhes puseram os olhos em cima...).
Alguém que passasse no meio dos grupos, iria sentir-se perdido, tantos eram os temas a serem discutidos. Ninguém estava silencioso, nem mesmo os senhores vestidos de preto e branco que serviam champagne aqui e ali.
Apenas duas pessoas se encontravam caladas no meio de tantos vestidos de gala e gravatas multicolores. Perto da porta que ligava a sala a um pequeno corredor estavam um rapaz e uma rapariga, cada um sentado numa poltrona, lado a lado. Não estavam a conversar, mas sim a observar a sala, as pessoas à sua volta. Ele sussurou-lhe um nome, e a rapariga olhou para um dos grupos, encontrou a pessoa de que ele lhe falara e voltou o seu olhar para o rapaz que se encontrava sentado ao seu lado.
-Olha esta sala. Não achas que à tua volta há pessoas que não estão a aproveitar o seu potencial? - o rapaz perguntara-lhe momentos antes.
Ela fizera o que ele, vamos chamar-lhe Pedro, lhe dissera, e olhou em volta. Sim, ele tinha razão. Por mais que tentassem esconder, muitas das pessoas que estavam ali tinham mesmo capacidade para fazer mais e melhor. Ela, vamos chamar-lhe Julieta, pensou logo em algumas pessoas: o rapaz que sabia argumentar demasiado bem para ela conseguir entrar numa conversa com ele; a rapariga de vestido leve que tinha uma voz de encantar qualquer um, mas que não cantava muito abertamente; um dos rapazes mais novos que tinha uma facilidade em falar com as pessoas; a rapariga que tocava muito bem piano e que, teimosamente, dizia que não; o rapaz que tinha jeito para inventar histórias; a rapariga que sabia representar e que já não o fazia, sabia-se lá porquê.
-Pois, eu sei o que queres dizer. Mas muitas vezes eles nem notam, sabes? Nem notam que sabem fazer bem as coisas e por isso não as aproveitam. Só alguns é que têm a sorte de alguém, superior a eles (em conhecimento), os encontrar e de lhes dar um empurrão suficientemente forte para se aguentarem no resto do caminho. - murmurou Julieta, olhos postos na lareira acesa que estava na parede no fundo da sala.
-Tu, por exemplo. Eu acho que devias ir para o Conservatório.
Ela olhou para Pedro com a sua cara de não-sejas-parvo, e mudou a direcção da conversa para o sentido mais geral do tema.
"Talvez o que esta gente precise é tempo. Tempo e força de vontade, duas coisas tão raras nas pessoas de hoje. E consciência de que o conseguem fazer, embora haja alguém melhor que eles, porque isso haverá sempre. Ou quase sempre. Aposto que se uma pessoa tivesse uma capacidade que se destacasse, tivesse mais tempo fora da escola e do estudo, e se alguém estivesse lá para lhe dar o tal empurrãozinho, para reconhecer aquilo que essa pessoa é capaz de fazer e dizer-lho, talvez ela conseguisse aproveitar mais.
Talvez.